TST decide que o contrato de transporte possui natureza civil
Assessor jurídico da FETCESP, Narciso Figueirôa Junior, comenta recente decisão do TST de que o contrato de transporte possui natureza civil e não se trata de terceirização de mão de obra
A 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a decisão do do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), da 15ª Região (Campinas) que negou o pedido de responsabilidade subsidiária de um embarcador, feito por um motorista de uma empresa de transporte de cargas, em relação ao cumprimento das obrigações trabalhistas.
A tese que prevaleceu é que a relação jurídica existente entre o embarcador e a empresa de transporte é de natureza civil em decorrência de um contrato de transporte regulado pela Lei 11.442/07, não se tratando de terceirização, porque o ramo de atividade das pessoas jurídicas são distintas e não há pessoalidade na prestação e serviços, tendo em vista que a empresa de transporte se utiliza de vários motoristas para prestar os serviços para o seu cliente, não sendo o embarcador beneficiário direto do trabalho dos motorista da empresa de transporte.
A 4ª Turma do TST entendeu que não se aplica à hipótese as decisões do STF na ADC 48 e ADI 3961, sobre a constitucionalidade da Lei 11.442/07, pois a terceirização de mão-de-obra ocorre quando a empresa tomadora contrata a empresa prestadora de serviços para a realização de atividades que integram sua organização empresarial, podendo ser atividade meio ou fim.
Assentou, ainda, o bem fundamentado acórdão, que a atividade empresarial atua em rede, existindo várias formas contratuais pelas quais as empresas atuam no mercado produtor e/ou consumidor. A terceirização é uma das formas de relações empresariais, caracterizada pela intermediação de mão de obra pela empresa prestadora de serviços a terceiros para execução de atividades incluídas na atuação direta (meio ou fim) da empresa contratante tomadora dos serviços, sendo este o conceito que se extrai do art.4º-A da Lei n. 6.019/1974, com a redação dada pela Lei n.13.467/2017.
No caso de transporte de mercadorias a atividade é explorada não pela tomadora, mas pela empresa contratada, não se tratando de empresa interposta, mas sim de contrato de natureza civil que não se enquadra na configuração jurídica de terceirização de serviços, afastando a aplicação do inciso IV da Súmula 331 do TST, que trata da subsidiariedade no pagamento das obrigações trabalhistas.
Embora a decisão não seja inédita, pois o TST possui várias outras decisões no mesmo sentido, sem dúvida o reconhecimento de que o contrato de transporte possui natureza civil e, portanto, não se trata de terceirização de mão-de-obra, fortalece a Lei 11.442/07, cuja constitucionalidade já foi declarada recentemente pelo STF no julgamento da ADC 48 e na ADIN 3961.
O acórdão mencionado, publicado em 18/12/2020, possui a seguinte ementa:
“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. 1. CONTRATO DE TRANSPORTE DE MERCADORIAS. SÚMULA Nº 331, IV, DO TST. INAPLICABILIDADE. HIPÓTESE FÁTICA DIVERSA DA ABORDADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL. CONTRATO DE NATUREZA CIVIL. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. NÃO CONHECIMENTO. I. A Corte Regional decidiu que a relação entre a 1ª Reclamada (Voal Logística LTDA.) e a 2ª Reclamada (Arcelormittal Brasil S.A) era um contrato de transporte de mercadorias, não configurando, assim, uma terceirização de mão de obra, afastando a aplicação da Súmula nº 331, IV do TST. II. Ao assim decidir, o Tribunal Regional observou a jurisprudência desta Corte superior, no sentido de que a terceirização de serviço ocorre quando a empresa tomadora contrata da empresa prestadora o fornecimento de mão de obra para realização de atividades que integram sua organização empresarial. Trata-se, assim, de terceirização de serviços de sua atividade empresarial, meio ou fim. Situação diversa é o transporte de mercadorias, que é uma atividade econômica explorada, não pela tomadora, mas pela empresa contratada. III. No caso dos autos, conforme descrito pela Corte Regional, houve a contratação do transporte das mercadorias produzidas pela Arcelormittal Brasil S.A, contrato de natureza civil que não se enquadra na configuração jurídica de terceirização de serviços. Precedentes. IV. Nesse sentido, não se aplica a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema nº 725 da Tabela de Repercussão Geral acerca do efeito do reconhecimento da licitude da terceirização da atividade meio ou fim, porque, conforme descrito pela Corte Regional, no presente caso, não se trata de terceirização. V. Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista, sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconheço a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT). VI. Sob esse enfoque, reconhecida a transcendência jurídica da causa, cumpre fixar o entendimento no sentido de que a contratação de transporte de mercadorias não se enquadra na configuração jurídica de terceirização de serviços, afastando-se, por conseguinte, a incidência da Súmula 331 do TST. VII. Recurso de revista de se conhece, por divergência jurisprudencial a que se nega provimento.” (TST-RR-10937-82.2015.5.15.0137, 4ª Turma, Rel.Min.Alexandre Luis Ramos, Publ.18/12/2020).
Narciso Figueirôa Junior é assessor jurídico da FETCESP