Artigo sobre acórdão do STF que declara constitucional a Lei 11.442/07

Em 19/05/2020 foi publicado o acórdão do Supremo Tribunal Federal, cujo julgamento do Plenário do STF encerrado no dia 14/04/2020, por maioria de votos, vencidos os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, julgou procedente a Ação Direta de Constitucionalidade 48 e improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3961, cuja ementa é a seguinte:



“DIREITO DO TRABALHO. AÇÃO DECLARATÓRIA DA CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. LEI 11.442/2007, QUE PREVIU A TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE-FIM. VÍNCULO MERAMENTE COMERCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO DE EMPREGO. 1. A Lei 11.442/2007 (i) regulamentou a contratação de transportadores autônomos de carga por proprietários de carga e por empresas transportadoras de cargas; (ii) autorizou a terceirização da atividade-fim pelas empresas transportadoras; e (iii) afastou a configuração de vínculo de emprego nessa hipótese. 2. É legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa. Como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente (CF/1988, art.170). A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação e emprego (CF/1988, art.7º). Precedente: ADPF 524, Rel.Min.Luís Roberto Barroso. 3. Não há inconstitucionalidade no prazo prescricional de 1 (um) ano, a contar da ciência do dano, para a propositura de ação de reparação de danos, prevista no art.18 da Lei 11.442/2007, à luz do art.7º, XXIX, CF, uma vez que não se trata de relação de trabalho, mas de relação comercial. 4. Procedência da ação declaratória da constitucionalidade e improcedência da ação direta de inconstitucionalidade. Tese: “1- A Lei 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim. 2- O prazo prescricional estabelecido no art.18 da Lei 11.442/2007 é válido porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de relação comercial, não incidindo na hipótese o art.7º, XXIX, CF. 3- Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista.” 



Em 28/12/2017 o ministro Luís Roberto Barroso já havia deferido cautelar nos autos da ADC 48 determinando a suspensão de todos os processos que versassem sobre a aplicação dos artigos 1º, caput, 2º, par.1º e 2º, 4º, par.1º e 2º e 5º, caput, da Lei 11.442/07 e determinou a inclusão do processo e pauta, para julgamento do mérito pelo Plenário do STF.



A ADI 3961 foi proposta pela ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e a ANPT – Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, buscando a declaração de inconstitucionalidade da Lei 11.442/07, em relação ao artigo 5º, caput e parágrafo único, que dispõe não haver vínculo empregatício decorrentes do contrato de transporte e do artigo 18, que estabelece o prazo prescricional de 1 ano para os danos relativos ao contrato de transporte.



A ADC 48 foi ajuizada pela CNT – Confederação Nacional do Transporte, visando a declaração de constitucionalidade dos artigos 1º, caput, 2º, par.1º e 2º, 4º, par.1º e 2º e 5º, caput, da Lei 11.442/07, em função das diversas decisões da Justiça do Trabalho que negam a possibilidade de as Empresas de Transporte de Cargas (ETC) terceirizarem a sua atividade-fim e que, no entender da CNT, viola os princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade da profissão, negando sistematicamente a aplicação da Lei 11.442/07.



Segundo o bem fundamentado voto do ministro Luís Roberto Barroso o mercado de transporte de cargas convive com três diferentes figuras: a Empresa de Transporte de Cargas (ETC); o Transportador Autônomo de Cargas (TAC) e o Motorista empregado e a Lei 11.442/07 disciplinou a relação comercial, de natureza civil, existente entre os agentes do setor, permitindo a contratação de autônomos para a realização do transporte rodoviário de cargas (TRC) sem a configuração de vínculo de emprego.



Em seu voto o ministro relator faz uma análise da estruturação da produção durante o século XX e a transição dos modelos taylorista e fordista, onde a tendência era de que a empresa executasse internamente todas as partes da sua cadeia de produção (integração vertical) para o modelo chamado toyotismo ou ohnismo, pelo qual a indústria automobilística japonesa criou uma organização do trabalho bastante enxuta e flexível com a criação de equipes operando de forma horizontalizada com controles próprios de seu trabalho e aperfeiçoando os produtos.



Após discorrer sobre a terceirização de partes da cadeia produtiva onde se permite que a empresa concentre os seus esforços naquelas atividades que constituem o seu diferencial, a sua vantagem competitiva, o voto do relator passa a analisar a evolução da terceirização das atividades-meio para as atividades-fim, citando exemplos de atividades econômicas onde a sua aplicação é marcante tanto na produção de bens como na prestação de serviços mencionando vários países onde a terceirização-de-mão-obra é amplamente praticada dispondo que num mundo globalizado e cada vez mais integrado tecnologicamente, os países que rejeitam a terceirização encontram-se em indiscutível desvantagem competitiva, reconhecendo que a terceirização tornou-se um fenômeno global.



Em seu voto o ministro relator também admite haver compatibilidade entre a terceirização e as normas constitucionais, citando que a Constituição Federal consagra a livre iniciativa e a livre concorrência como valores fundamentais da ordem econômica (art.1º c/c art.170, caput e inciso IV), concluindo que não há na Constituição norma que imponha a adoção de um único modelo de produção e que obrigue os agentes econômicos a concentrar todas as atividades necessárias à consecução de seu negócio ou a executá-las diretamente por seus empregados.



Sobre a Lei 11.442/07 o voto reconhece que a norma estabelece que o TAC (Transportador Autônomo e Cargas) pode ser contratado diretamente pelo proprietário da carga ou pela ETC (Empresa de Transporte de Cargas), autorizando de forma expressa que a ETC terceirize a sua atividade-fim por meio da contratação do TAC e a decisão sobre a forma de estruturar e contratar o transporte de cargas está inserida na estratégia da ETC que pode entender, por exemplo, que o seu diferencial está na gestão do serviço de transporte e não na sua execução direta propriamente, podendo haver subcontratação continuamente ou em período de pico de demanda.



O ministro relator também admite que o proprietário da carga no gerenciamento da distribuição de seus produtos pode valer-se de motoristas empregados para distribuí-los e terceirizar parte do transporte contratando TAC como estratégia empresarial, sendo que as categorias dos transportadores autônomos previstas na Lei 11.442/07 convivem com a figura do motorista profissional empregado prevista no artigo 235-A e seguintes da CLT, concluindo que o TAC constitui apenas uma alternativa de estruturação do transporte de cargas e não substitui ou frauda o contrato de emprego.



A decisão também reconhece que a Lei 11.442/07, em seu art.4º, par.1º, ao conceituar a figura do TAC-Agregado, dispõe que o mesmo dirige o próprio serviço diretamente ou por meio de preposto seu e não estão presentes os elementos da pessoalidade e da subordinação que caracterizam a relação de emprego (CLT, art.3º) e o TAC-Independente presta serviços em caráter eventual, também não havendo relação de emprego com o contratante.



Por fim o voto lembra que a Lei 13.467/17 (reforma trabalhista), em seu artigo 4º, autorizou expressamente a terceirização da atividade fim da empresa, na mesma linha que já havia feito a Lei 11.442/07, sendo esta constitucional e compatível com a nova CLT e o STF, ao julgar a ADPF 324, também reconheceu a compatibilidade entre a terceirização de toda e qualquer atividade, inclusive a atividade-fim, com a Constituição Federal.    



Dessa forma o bem fundamentado voto entende que a Constituição não veda a terceirização da atividade-fim, ao contrário as estratégias empresariais estão amparadas pelo princípio constitucional da livre iniciativa e, no caso do transporte de cargas, a possibilidade de terceirização da atividade-fim é prevista na Lei 11.442/07, sendo a mesma constitucional, não havendo os requisitos da pessoalidade, subordinação e não eventualidade na prestação de serviços do TAC, concluindo que uma vez preenchidos os requisitos da Lei 11.442/07, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo empregatício, sendo também constitucional o prazo prescricional de 1 ano para ajuizamento de ação de reparação pelos danos relativos ao contrato de transporte, contados a partir do conhecimento do dano pela parte interessada.



Entendemos que esta decisão do STF é de suma importância para a atividade econômica do transporte rodoviário de cargas e traz mais segurança jurídica para a subcontratação de transporte a frete que sempre defendemos ser constitucional, legal e inerente à própria da atividade, inicialmente prevista na Lei 7.290/84 e posteriormente com a Lei 11.442/07, ganhando ainda maior ênfase com as alterações feitas na Lei 6.019/74 com as Leis 13.429/17 e 13.467/17 que passaram também a prever a possibilidade de terceirização da atividade principal da empresa, além da decisão do STF na ADPF 324 e no RE 958252.



Embora não citados no acórdão do STF lembramos que o Código Civil, em seus artigos 733 a 756, autorizam duas empresas do seguimento do transporte de coisas, firmarem o transporte cumulativo e a legislação tributária que regulamenta o ICMS também prevê a subcontratação, assim como a Lei 9.611, de 19/02/1998 que dispõe sobre o transporte multimodal de cargas também fundamenta a possibilidade de terceirização na atividade de transporte de cargas.



Vale destacar que as empresas de transporte de cargas e logística ao contratarem outras ETC ou TAC para prestação de serviços de transporte de cargas devem observar rigorosamente os requisitos previstos na Lei 11.442/07, pois a decisão do STF anteriormente analisada concluiu pela constitucionalidade da Lei 11.442/07, desde que respeitados os seus requisitos.



Narciso Figueirôa Junior é assessor jurídico da FETCESP


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