Artigo: TJSP nega pedido de vínculo de emprego entre transportador autônomo e transportadora

No julgamento da ADPF 324 e RE 958252, ocorrido em 30/08/2018, o STF decidiu que “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Em 19/05/2020 foi publicado acórdão que julgou procedente a ADC 48 e improcedente a ADI 3961, que discutiam a natureza jurídica do vínculo existente entre Transportadores Autônomos de Cargas (TAC) e as Empresas de Transporte de Cargas (ETC), declarando a constitucionalidade dos artigos 5º, “caput” e parágrafo único e 18 da Lei 11.442/07.

No bem fundamentado voto do Ministro Barroso no julgamento da ADC 48 e da ADI 3961 ficou claro que, preenchidos os requisitos da Lei 11.442/2007, está configurada relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista entre os TAC e as ETC.

O referido voto também lembrou que o STF no julgamento da ADPF 324 e RE 958252 considerou legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa, sob o fundamento de que o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco legislativo vigente, afirmando que a proteção constitucional não impõe que toda ou qualquer prestação remunerada de serviços configure relações de emprego.

No que tange a relação jurídica existente entre o Transportador Autônomo de Cargas (TAC) e a Empresa de Transporte de Cargas (ETC) o acórdão do STF na ADC 48 reconheceu que a Lei nº 11.442/2007 regulamentou a contratação de transportadores autônomos de carga (TAC) por proprietários de carga (embarcadores) e por empresas transportadoras de carga (ETC), autorizou a terceirização da atividade-fim pelas empresas transportadoras e afastou a configuração de vínculo de emprego nessa hipótese, entendendo que é legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa e que a Constituição não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente (CF/1988, art. 170).

Além disso, o STF também reconheceu que a proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/1988, art. 7º) e não há inconstitucionalidade no prazo prescricional de 1 (um) ano, a contar da ciência do dano, para a propositura de ação de reparação de danos, prevista no art.18 da Lei 11.442/2007, à luz do art. 7º, XXIX, CF, uma vez que não se trata de relação de trabalho, mas de relação comercial.

A tese acolhida pelo Plenário do STF no julgamento histórico da ADC 48 é que: 1) a Lei 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim; 2) o prazo prescricional estabelecido no art. 18 da Lei 11.442/2007 é válido porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de relação comercial, não incidindo na hipótese o art. 7º, XXIX, CF; 3) uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista.

Em decorrência do julgamento da ADC 48 a Suprema Corte passou a cassar as decisões da Justiça do Trabalho que negam vigência ao entendimento de que a discussão judicial sobre o pedido de vínculo empregatício entre o TAC e a ETC é da Justiça Comum e não da Justiça do Trabalho, mesmo que se trate de discussão de alegação de fraude à legislação trabalhista.

A jurisprudência da Justiça Comum sobre o tema ainda é incipiente, mas recentemente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da Apelação 0011864-49.2021.8.26.0309, negou provimento ao recurso de um transportador autônomo de cargas que pretendia a reforma da decisão da Vara Cível da Comarca de Jundiaí/SP que julgou improcedente a reclamação trabalhista ajuizada pelo Transportador Autônomo de Cargas (TAC) que se dizia motorista empregado da transportadora Ré e que houve fraude à legislação do trabalho na contratação como TAC.

A ementa do referido acórdão é a seguinte: 

“Apelação. Ação trabalhista. Contrato de prestação de serviços de transportador autônomo de cargas. Demanda iniciada na Justiça do Trabalho e, posteriormente, remetida à Justiça Comum, na qual pretende a parte autora o reconhecimento de vínculo de emprego. Entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que é da Justiça Comum a apreciação da matéria envolvendo a relação jurídica submetida à Lei 11.422/07, ainda que em discussão alegação de fraude à legislação trabalhista Autor que prestava serviços com veículo próprio e com inscrição no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) na categoria TAC, bem como possuía remuneração variável conforme os fretes realizados Presença dos requisitos da relação comercial Quadro probatório desfavorável ao autor Sentença de improcedência Ratificação nos termos do artigo 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça Recurso improvido.”

A referida ação teve início na 4ª Vara do Trabalho de Jundiai e posteriormente foi remetida à justiça comum estadual em razão da decisão do TRT/15ª Região que declarou a incompetência da Justiça do Trabalho e determinou a remessa dos autos à Justiça Comum.

Trata-se de uma importante decisão do Tribunal de Justiça paulista que acolheu os fundamentos contidos na ADC 48 onde o STF decidiu ser da Justiça Comum a competência para apreciar e julgar ações, cujo objeto em discussão corresponda à alegação de fraude à legislação trabalhista quando se tratar de contratação feita de forma autônoma com base na Lei 11.442/07.

No referido acórdão do TJSP foi declarado que o Autor prestava serviços com veículo próprio e com inscrição no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) na categoria TAC (Transportador Autônomo de Carga), bem como possuía remuneração variável conforme os fretes realizados, circunstâncias que o enquadram no art.2º, I e par.1, da Lei 11.442/07.

O acórdão também destaca alguns tópicos da bem fundamentada sentença de que o Autor possuía registro profissional como transportador na ANTT e se utilizava de veículo próprio para a prestação de serviços e que, no caso dos autos, depreende-se que os elementos evidenciam que as partes estabeleceram nítida relação comercial, o que elide a configuração de vínculo de emprego, havendo remuneração variável e comprovação, através de prova testemunhal, da inexistência de pessoalidade e habitualidade na prestação de serviços e validade do contrato de transporte de cargas, nos termos da Lei 11.442/07, sem qualquer vício de consentimento, restando suficientemente elidida a alegada fraude no contrato, não se havendo falar em vínculo de emprego e verbas trabalhistas dele decorrentes.

Trata-se de decisão relevante e inovadora do TJSP e que vai ao encontro das decisões prolatadas pelo STF na ADC 48, dando perfeita interpretação jurídica da Lei 11.442/07 e reiterando o entendimento de que a relação jurídica existente entre o TAC e a ETC é comercial e não trabalhista.

Todavia, vale lembrar que a decisão do STF na ADC 48 exige que os requisitos da Lei 11.442/07 sejam rigorosamente observados, para que a relação entre o TAC e a ETC possa ser estritamente comercial. 

Narciso Figueirôa Junior é assessor jurídico da FETCESP

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