Artigo: A polêmica em torno do julgamento do STF sobre a Convenção 158 da OIT
Tem surgido muitas notícias neste início de ano, a nosso ver equivocadas, de que o Supremo Tribunal Federal (STF) irá impedir que as empresas possam rescindir os contratos de trabalho sem justa causa.
Em razão dessas notícias e também de alguns artigos sobre o tema, criou-se uma polêmica desnecessária, pois se trata de assunto antigo e que somente veio à baila neste início de 2023 em razão da alteração feita pelo STF, no final do ano passado, em seu regimento interno, para estabelecer que os pedidos de vista dos processos pelos ministros ficam limitados a 90 dias, contados da publicação da ata de julgamento. Passado esse prazo, com ou sem manifestação, os autos estão liberados para continuidade do julgamento.
A Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, organismo que o Brasil integra, trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, foi aprovada na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, Suíça, em 1982, entrando em vigor no plano internacional em 23/11/1985.
No Brasil a Convenção 158 foi aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo 68, de 16/09/1992, sendo ratificada em 05/01/1995 e promulgada pelo Decreto 1.855, de 10/04/1996 e vigência nacional em 05/01/1996.
Porém, a Convenção 158 da OIT foi denunciada pelo presidente da república, através do Decreto 2.100, de 20/12/1996, ou seja, a partir da referida data a Convenção 158 deixou de vigorar em nosso país.
Em razão dessa denúncia unilateral, pelo presidente da república, em 16/07/1997 foi ajuizada no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1625, pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), arguindo a inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96, com o fundamento de que a denúncia da Convenção 158 da OIT exigiria análise e aprovação pelo Congresso Nacional, não podendo o Chefe do Poder Executivo unilateralmente tornar sem efeito a ratificação da referida Convenção, em razão da regra contida no artigo 449, I, da Constituição Federal, que prevê competência exclusiva do Congresso Nacional para resolver sobre tratados internacionais.
Em 10/11/2015 foi distribuída no STF a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 39 por iniciativa da Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços e Turismo (CNC) e pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), tendo por objeto a declaração de constitucionalidade do Decreto Presidencial 2.100, de 20/12/1996, que denunciou a Convenção 158 da OIT.
Logo, tanto a ADI 1625 quanto a ADC 39 terão a sua análise concluída pelo Plenário do STF, sendo que a primeira já tramita na Corte Superior há mais de 25 anos, daí a razão pela qual é compreensível a expectativa pelos julgamentos de ambas as ações que já tiveram início e ainda não foram encerrados em razão de vários pedidos de vista e mudanças na composição da Corte Suprema.
Em relação a ADI 1625, até o momento, já foram proferidos oito votos, dentre os onze que compõe o Plenário do STF, sendo que cinco votos são pela sua procedência, declarando que a Convenção 158 somente poderia perder a sua eficácia através de referendo do Decreto 2.100/96, pelo Congresso Nacional, e três votos pela improcedência da ação, reconhecendo que a denúncia pelo presidente da república de tratados internacionais não prescinde de sua aprovação pelo Congresso Nacional.
Durante a última sessão virtual de julgamento houve novo pedido de vista, faltando, ainda, três ministros a votar (Gilmar Mendes, Nunes Marques e André Mendonça), mas já existe maioria no sentido da procedência total ou parcial da ADI 1625.
Dentre os últimos votos prolatados, vale destacar o voto-vista do Ministro Dias Toffoli, de 03/11/2022, que julga improcedente o pedido inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96, propondo a seguinte tese de julgamento: “a denúncia pelo Presidente da República de tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, para que produza efeitos no ordenamento jurídico interno, não prescinde da sua aprovação pelo Congresso”, entendimento que deverá ser aplicado a partir da publicação da ata do julgamento, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal, formulando, por fim, apelo ao legislador para que elabore disciplina acerca da denúncia dos tratados internacionais, a qual preveja a chancela do Congresso Nacional como condição para a produção de efeitos na ordem jurídica interna, por se tratar de um imperativo democrático e de uma exigência do princípio da legalidade.”
É compreensível a preocupação do setor produtivo sobre o resultado do julgamento da ADI 1625 e da ADC 39, pois dependendo da tese prevalecente, na prática, haverá maior rigor formal para a rescisão imotivada do contrato de trabalho, mas daí a se concluir que o STF irá impedir que as empresas dispensem os seus empregados sem justa causa, quer nos parecer um exagero.
Sobreleva destacar que a ADC 39 que foi proposta pela CNC – Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços e Turismo e pela CNT – Confederação Nacional do Transporte e que tem por objeto a declaração de constitucionalidade do Decreto Presidencial 2.100, de 20/12/1996, que denunciou a Convenção 158 da OIT, tem pela frente uma composição diferente daquela que já votou na ADI 1625. Embora já tenha sido iniciado o seu julgamento já votaram quatro ministros (três pela inconstitucionalidade e um pela constitucionalidade do Decreto 2.100/96) e o julgamento também está suspenso por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
O artigo 4º da Convenção 158 da OIT estabelece que:
“Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”
No artigo 5º, da referida Convenção, estão relacionados os motivos que não constituirão causa justificada para o término da relação de trabalho:
“a) a filiação a um sindicato ou a participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho; b) ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar ou ter atuado nessa qualidade; c) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes; d) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, ascendência nacional ou a origem social;”
Portanto, não há no texto da Convenção 158 nenhuma proibição de dispensa sem justa causa do empregado, até porque a doutrina faz distinção entre dispensa sem justa causa, assim considerada quando não fundamentada nas hipóteses de justa causa previstas no artigo 482 e suas alíneas da CLT e a dispensa imotivada, que não exige que o empregador indique as razões pelas quais o empregado está sendo demitido, desde que pague a multa dos 40% sobre os depósitos do FGTS.
O que a Convenção 158 da OIT estabelece é que a dispensa do empregado seja motivada, ou seja, que o empregador indique no ato da dispensa os motivos comportamentais ou de insuficiência de desempenho do colaborador ou dificuldades financeiras da empresa que deram causa a rescisão do contrato.
Vale lembrar que para compensar a dispensa sem justa causa do empregado, a Constituição Federal de 1988, através do artigo 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estabelece que até seja promulgada a lei complementar a que se refere o art.7º, I, da CF, fica limitada a proteção nele referida ao aumento para quatro vezes, da porcentagem prevista no art.6º, “caput” e par.1º, da Lei 5.107/66, ou seja, fixa em 40%, a multa sobre os depósitos do FGTS.
Ocorre que até hoje, passados mais de 34 anos de promulgação da Constituição Federal de 1988, não foi regulamentada através de lei complementar, pelo Congresso Nacional, a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, prevendo indenização compensatória, de que trata o artigo 7º, inciso I, da Carta Magna.
Mesmo que o STF venha declarar a inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96 que denunciou a Convenção 158 da OIT, entendemos que não haverá nenhuma alteração na CLT em relação a possibilidade de demissões com justa causa com fundamento nas alíneas do artigo 482 e tampouco haverá proibição da dispensa sem justa causa.
No máximo, se houver restabelecimento das diretrizes contidas na Convenção 158 da OIT, o empregador deverá motivar a dispensa, nos termos do artigo 4º, da referida Convenção, havendo também a possibilidade de regulamentação da matéria pelo Congresso Nacional, dependendo da tese que prevalecer no STF.
Embora seja clara a intenção da Convenção 158 da OIT, sua implementação prática pode gerar conflitos desnecessários, razão pela qual é recomendável que o Congresso Nacional venha regulamentar o artigo 7º, inciso I, da CF/88, assim como, através de lei complementar, estabeleça o procedimento para a fundamentação da dispensa, caso prevaleça a tese no STF de inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96.
Enquanto não forem concluídos os julgamentos da ADI 1625 e da ADC 39 pela Corte Suprema, qualquer afirmação de impacto nefasto da decisão nas relações de trabalho é prematura, pois haverá necessidade de o STF firmar a tese prevalecente e modular a decisão, ou seja, estabelecer um limite temporal para a sua eficácia e definir se os seus efeitos repercutirão apenas às rescisões contratuais efetivadas após a publicação do acórdão ou se também haverá efeitos retroativos.
Narciso Figueirôa Junior é assessor jurídico da FETCESP