Artigo: A Lei 14.457/22 e o Programa mais Mulheres
A Lei 14.457, de 21/09/2022, que entra em vigor na data da sua publicação, institui o Programa mais Mulheres e altera Consolidação das Leis do Trabalho.
A nova Lei possui origem na Medida Provisória 1.116, de 04/05/2022 e entra em vigor na data de sua publicação, mas nem todas as matérias contidas na MP foram mantidas na Lei 14.457.
1. Programa Emprega mais Mulheres
Trata-se de um programa destinado à inserção e à manutenção de mulheres no mercado de trabalho por meio das seguintes medidas em sua maioria voluntárias e não obrigatórias: I- apoio à parentalidade na primeira infância; II- apoio à parentalidade por meio da flexibilização do regime de trabalho; III- qualificação de mulheres, em áreas estratégicas para ascensão profissional; IV- apoio ao retorno ao trabalho das mulheres após o término da licença-maternidade; V- reconhecimento de boas práticas na promoção da empregabilidade das mulheres, por meio da instituição do Selo Emprega mais Mulher; VI- prevenção e combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no âmbito do trabalho: e VII- estímulo ao microcrédito para mulheres.
A Lei conceitua a parentalidade como sendo o vínculo socioafetivo maternal, paternal ou qualquer outro que resulte na assunção legal do papel de realizaras atividades parentais, de forma compartilhada entre os responsáveis pelo cuidado e pela educação das crianças e dos adolescentes, nos termos do art.22 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
2. Apoio à parentalidade na primeira infância
O Programa trata do apoio à parentalidade na primeira infância, ficando os empregadores autorizados a adotar o benefício de reembolso-creche, previsto na letra “s”, do par.9º, do art.28, da Lei 8.212/91, desde que cumpridos os seguintes requisitos: I- pagamento de creche ou pré-escola de livre escolha da empregada ou do empregado, bem como o ressarcimento de gastos com outra modalidade de prestação de serviços da mesma natureza com comprovação das despesas realizadas; II- ser o benefício concedido à empregada ou ao empregado que possua filhos com até 5 anos e 11 meses de idade, sem prejuízo dos demais preceitos de proteção à maternidade; III- ser dada ciência pelos empregadores às empregadas e aos empregados da existência do benefício e dos procedimentos necessários à sua utilização; e IV- ser o benefício oferecido de forma não discriminatória e sem a sua concessão configurar premiação.
É necessária a formalização de acordo individual, acordo coletivo ou convenção coletiva para implementação do reembolso-creche, devendo estabelecer condições, prazos e valores, sem prejuízo do cumprimento dos demais preceitos de proteção à maternidade.
Os valores do auxílio-creche não possuem natureza salarial, não se incorporam à remuneração, não constituem base de incidência de contribuição previdenciária ou do FGTS e não se configuram como rendimento tributável da empresa ou do empregado.
Caso o estabelecimento tenha pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de idade deve disponibilizar às empregadas local apropriado onde seja permitido guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação.
Se o empregador adotar o benefício do reembolso-creche para todos os empregados e empregadas que possuam filhos com até 5 anos e 11 meses de idade fica desobrigado da instalação de local apropriado para a guarda e assistência de filhos de empregadas no período da amamentação, de que tratam os artigos 389, par.1º, da CLT e 5º da Lei 14.457/22.
O Serviços Sociais Autônomos, SESI, SESC e SEST poderão, observadas as leis e os regulamentos específicos, manter instituições de educação infantil destinadas aos dependentes dos empregados e das empregadas vinculados à atividade econômica aa elas correspondentes.
3. Apoio à Parentalidade por meio da flexibilização do regime de trabalho
A Lei 14.457 flexibiliza o regime de trabalho para apoio à parentalidade, devendo o empregador conferir prioridade às empregadas e os empregados com filho, enteado ou criança sob guarda judicial com até 6 anos de idade ou pessoa sob guarda judicial com deficiência, sem limite de idade, na alocação de vagas para as atividades que possam ser efetuadas por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância.
Desde que haja vontade expressa dos empregados e das empregadas, formalizada através de acordo individual ou norma coletiva, haverá priorização na concessão de uma ou mais das seguintes medidas de flexibilização da jornada de trabalho das empregadas e dos empregados que tenham filho, enteado ou pessoa sob sua guarda com até 6 anos de idade ou com deficiência: I) regime de tempo parcial (CLT, art.58-A); II) regime especial de banco de horas (CLT, art.59); III) jornada de 12X36 horas ininterruptas de descanso (CLT, art.59-A); IV) antecipação de férias individuais; V) horário de entrada e de saída flexíveis.
A adoção do regime de tempo parcial e antecipação de férias individuais somente poderão ser adotadas até o segundo ano: I- do nascimento do filho ou enteado; II- da adoção; ou III- da guarda judicial.
No caso de rescisão do contrato de trabalho de empregado ou empregada em regime de compensação de jornada por meio de banco de horas, as horas acumuladas ainda não compensadas serão: I- descontadas das verbas rescisórias devidas ao empregado ou à empregada, na hipótese de banco de horas em favor do empregador, quando a demissão for a pedido e o empregado ou empregada não tiver interesse ou não puder compensar a jornada devida durante o prazo do aviso prévio; ou II- pagas juntamente com as verbas rescisórias, na hipótese de banco de horas em favor do empregado ou da empregada.
Em relação a antecipação das férias individuais a Lei 14.457 dispõe que poderá ser concedida ao empregado ou à empregada que se enquadre nos critérios previstos no par.1º, do artigo 8º, ainda que não tenha transcorrido o seu período aquisitivo.
As férias antecipadas não poderão ser usufruídas em período inferior a 5 dias corridos, facultado ao empregador optar por efetuar o pagamento do adicional de 1/3 de férias após a sua concessão, até a data do pagamento do 13º salário, podendo o pagamento da remuneração da antecipação das férias ser efetuado até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias.
Em havendo rescisão do contrato de trabalho, os valores das férias ainda não usufruídas serão pagos juntamente com as verbas rescisórias devidas e na hipótese de período aquisitivo não cumprido, as férias antecipadas e usufruídas serão descontadas das verbas rescisórias devidas ao empregado no caso de pedido de demissão.
A Lei faculta a flexibilização dos horários fixos da jornada de trabalho ao empregado ou à empregada, desde que se enquadrem nos critérios estabelecidos no art.8º e a atividade permitir.
4. Medidas para Qualificação de Mulheres
A Lei 14.457/22 cria um Programa com importantes medidas de incentivo à contratação, flexibilização de regime de trabalho, qualificação em áreas estratégicas para ascensão profissional, apoio ao retorno ao trabalho após o término da licença-maternidade e reconhecimento de boas práticas na promoção da empregabilidade da mulher.
No que tange à qualificação de mulheres em áreas estratégicas para ascensão profissional, a Lei faculta a suspensão do contrato de trabalho através de acordo individual ou por acordo ou convenção coletiva de trabalho, nos termos do art.476-A da CLT, devendo o curso ou o programa de qualificação profissional priorizar áreas que promovam a ascensão profissional da empregada ou em áreas com baixa participação feminina, tais como ciência, tecnologia, desenvolvimento e inovação, sendo que a empregada fará jus a uma bolsa de qualificação profissional (Lei 7.998/90, art.2º-A), durante o período de suspensão, podendo o empregador conceder à empregada ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial.
Na hipótese de dispensa da empregada no transcurso do período da suspensão do contrato de trabalho ou nos 6 meses subsequentes ao seu retorno ao trabalho, o empregador pagará à empregada, além das parcelas indenizatórias devidas, multa a ser estabelecida em acordo ou em convenção coletiva de, no mínimo, 100% sobre o valor da última remuneração mensal anterior à suspensão do pacto laboral.
A nova Lei exige que o empregador encaminhe ao Ministério do Trabalho e Previdência os dados referentes às empregadas que terão o contrato de trabalho suspenso, para que a bolsa de qualificação profissional possa ser paga.
5. Do Estímulo à Ocupação de Vagas
Os Nacionais de Aprendizagem, de acordo com a legislação própria e os seus regulamentos, mediante a celebração de ajustes com a União, poderão criar medidas para estimular a matrícula de mulheres em cursos de qualificação, em todos os níveis e áreas de conhecimento, devendo priorizar as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar com registro de ocorrência policial.
6. Apoio ao retorno ao trabalho após a licença-maternidade
A Lei estabelece que o empregador, mediante pedido formal do empregado, poderá suspender o contrato de trabalho do colaborador com filho cuja mãe tenha encerrado o período da licença-maternidade para: a) prestar cuidados e estabelecer vínculos com os filhos; b) acompanhar o desenvolvimento dos filhos e; c) apoiar o retorno ao trabalho de sua esposa ou companheira.
A referida suspensão estará condicionada a participação do colaborador em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, formalizado através de acordo individual ou de norma coletiva (CLT, art.476-A), sendo efetuada após o término da licença-maternidade da esposa ou companheira do empregado, devendo o curso ou programa ter carga horária máxima de 20 horas semanais e ser realizado exclusivamente na modalidade não presencial.
Durante o período da suspensão o colaborador fará jus a bolsa de qualificação profissional e facultativamente ajuda compensatória mensal paga pelo empregador, sem natureza salarial.
Caso haja dispensa do empregado no transcurso do período da suspensão do contrato ou nos 6 meses subsequentes ao seu retorno ao trabalho, o empregador pagará ao empregado, além das parcelas legais, multa a ser estabelecida em norma coletiva de, no mínimo 100% sobre o valor da última remuneração mensal anterior à suspensão do contrato.
O empregador deve dar ampla divulgação aos seus empregados sobre a possibilidade de apoiar o retorno ao trabalho de suas esposas ou companheiras após o término do período da licença-maternidade, orientar sobre os procedimentos necessários para a celebração de acordo individual visando a suspensão do contrato de trabalho com qualificação e promover ações periódicas de conscientização sobre parentalidade responsiva e igualitária.
7. Das alterações no Programa Empresa Cidadã
A nova Lei traz alterações na Lei 11.770/08, que cria o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, para permitir que a referida prorrogação possa ser compartilhada entre a empregada e o empregado requerente, desde que ambos sejam empregados de pessoa jurídica aderente ao Programa e que a decisão seja adotada conjuntamente, na forma estabelecida em regulamento, sendo que a prorrogação poderá ser usufruída pelo empregado somente após o término da licença-maternidade, desde que seja requerida com 30 dias de antecedência.
Outra alteração feita na Lei 11.770/08 é a de que a empresa participante do Programa Empresa Cidadã fica autorizada a substituir o período de prorrogação da licença-maternidade por 60 dias, pela redução de jornada de trabalho em 50% pelo período de 120 dias, podendo esta substituição também ser compartilhada entre a empregada e o empregado requerente, desde que sejam empregados de pessoa jurídica aderente ao Programa.
Para que possa ser feita esta substituição a Lei exige o cumprimento dos seguintes requisitos: I- pagamento integral do salário à empregada ou ao empregado pelo período de 120 (cento e vinte) dias; e II- acordo individual firmado entre o empregador e a empregada ou o empregado interessados em adotar a medida.
8. Formalização de Acordos Individuais
A Lei 14.457 deixa claro que sempre deve ser levada em conta a vontade expressa da empregada ou do empregado beneficiado pelas medidas de apoio ao exercício da parentalidade, tanto na priorização para vagas em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância quanto na adoção das medidas de flexibilização e de suspensão do contrato de trabalho. Em outras palavras, tais medidas não podem ser impostas ao empregado ou a empregada.
9. Das Medidas de Prevenção e de Combate ao Assédio Sexual
A Lei traz um capítulo dedicado a adoção pelos empregadores de medidas de prevenção e de combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no ambiente de trabalho.
Trata-se de iniciativa louvável do legislador e visa a promoção de um ambiente de trabalho sadio, seguro e que favoreça a inserção e a manutenção de mulheres no mercado de trabalho, pois infelizmente o assédio sexual e outras violências no ambiente de trabalho tem sido motivo de grande preocupação em razão do aumento vertiginoso de casos, sendo fundamental que os empregadores se preocupem com este problema e adotem medidas preventivas e corretivas.
A nova Lei dispõe que incumbe a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da nova Lei, a obrigação de adotar as seguintes medidas, além de outras que entenderem necessárias, com o objetivo de prevenir e combater o assédio sexual no ambiente de trabalho: I- criação de regras de conduta sobre assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas da empresa, com ampla divulgação interna de seu conteúdo; II– instituir procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias, para apuração dos fatos e, quando for o caso, para aplicação de sanções administrativas aos responsáveis diretos e indiretos pelos atos de assédio sexual e de violência, garantido o anonimato da pessoa denunciante, sem prejuízo dos procedimentos jurídicos cabíveis; III- inclusão de temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio sexual e a outras formas de violência nas atividades e nas práticas da CIPA; e IV- realização, no mínimo a cada 12 meses, de ações de capacitação, de orientação e de sensibilização dos empregados e das empregadas de todos os níveis hierárquicos da empresa sobre temas relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e à diversidade no âmbito do trabalho, em formatos acessíveis, apropriados e que apresentem máxima efetividade de tais ações.
É interessante que o legislador tenha escolhido a CIPA para implantar as medidas preventivas e de combate ao assédio sexual e outras violências no local de trabalho. Todavia, não se pode ignorar o fato de que várias empresas, principalmente micro ou pequenas com menos de 20 empregados, estão legalmente dispensadas de instituir a CIPA, o que reduz o universo de abrangência das medidas anteriormente mencionadas.
10. Das Boas Práticas e do Selo Emprega mais Mulher
A nova Lei institui o Selo Emprega mais Mulher com finalidade de reconhecer as empresas que se destaquem pela organização, manutenção e provimento de creches e pré-escolas para atender às necessidades de suas empregadas e de seus empregados, além de valorizar as boas práticas de empregadores que visem, dentre outros objetivos: a) ao estímulo à contratação, à ocupação de postos de liderança e à ascensão profissional de mulheres; b) à divisão igualitária das responsabilidades parentais; c) à promoção da cultura de igualdade entre mulheres e homens; d) à oferta de acordos flexíveis de trabalho; e) à concessão de licenças para mulheres e homens que permitam o cuidado e a criação de vínculos com seus filhos; f) ao efetivo apoio às empregadas e prestadoras de serviços em caso de assédio, violência física ou psicológica ou qualquer violação de seus direitos no ambiente de trabalho e; g) à implementação de programas de contratação de mulheres desempregadas em situação de violência doméstica e familiar e de proteção de suas empregadas na mesma situação.
11. Do estímulo ao Microcrédito para Mulheres
A nova Lei cria condições diferenciadas para as mulheres empreendedoras, nas operações de crédito do Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para Empreendedores (SIM Digital), previsto na Lei 14.438/22, com taxa de juros diferenciada.
12. Das outras alterações
A Lei 14.457 reitera a regra já prevista nos artigos 373-A e 461 da CLT, no sentido de que às mulheres empregadas é garantido igual salário em relação aos empregados que exerçam idêntica função prestada ao mesmo empregador.
Atribui ao Sistema Nacional de Emprego (Sine) a incumbência de implementar iniciativas que visam a melhoria da empregabilidade de mulheres, especialmente as que tenham filho, enteado ou guarda judicial de criança de até 5 anos, que sejam chefe de família monoparental e com deficiência ou com filho com necessidades especiais.
13. Ausências justificadas ao trabalho
Fica alterado o inciso III do artigo 473 da CLT, que trata das hipóteses legais de ausências justificadas ao trabalho, sem prejuízo do salário, para elevar de 1 para 5 dias consecutivos o tempo em que o empregado pode se afastar ao trabalho em caso de nascimento de filho, sendo que o prazo referido será contado a partir da data de nascimento.
Houve também alteração no inciso X do artigo 473 da CLT para criar ao empregado o direito de dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para acompanhar sua esposa ou companheira em até 6 consultas médicas, ou exames complementares, durante o período de gravidez.
Por fim, foi alterado o artigo 2º, da Lei 12.513/11, que trata do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), para dispor no inciso V que o referido Programa atenderá prioritariamente, além de outros trabalhadores já mencionados nos incisos anteriores, mulheres vítimas de violência doméstica e familiar com registro de ocorrência policial.
Embora várias de suas regras sejam facultativas a Lei 14.457 possui relevância social e incentiva a contratação e qualificação de mulheres no mercado de trabalho, propicia apoio à parentalidade na primeira infância, cria apoio ao retorno ao trabalho após o término da licença-maternidade, além de estimular o microcrédito para mulheres.
14. Alterações feitas pela MP 1.116 e que não foram incluídas na Lei 14.457
A Medida Provisória 1.116, de 04/05/2022, que deu origem a Lei 14.457/22, criou medidas de incentivo à contratação de adolescentes e jovens e alterou as regras do contrato de aprendizagem.
Ocorre que durante a tramitação do Projeto de Lei de Conversão, o Capítulo VII da MP 1.116, que trata do Projeto Nacional de Incentivo à Contratação de Aprendizes, bem como as alterações aos artigos 428, 429, 430, 431, 432 e 434 da CLT, foram excluídas e não constam da Lei 14.457/22.
Embora as regras previstas na MP 1.116/22 tenham surtido efeitos durante o seu período de vigência, aquelas que não foram incluídas na Lei 14.457/22, como é o caso da aprendizagem profissional, perderam o seu efeito voltando a valer as diretrizes previstas na CLT.
Narciso Figueirôa Junior é assessor jurídico da FETCESP